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 Almas desvendadas

  Para o escritor francês Marcel Proust (1871-1922), uma pessoa nunca é um ser imóvel com qualidades, defeitos, projetos e intenções, mas se constitui numa “sombra em que não podemos jamais penetrar, para a qual não existe conhecimento direto...”. Essas palavras explicitam alguns aspectos da arte do artista plástico chileno radicado no Brasil Enrique Aravena.
  O seu trabalho apresenta duas facetas: a mais figurativa e a abstrata, sendo que esta última parece ser decorrência da primeira. Isso pode ser visualizado pela forma como o artista trabalha com as massas de cor e texturas. Ao compor certas imagens, o que mais capta a atenção do observador não é o objeto retratado, mas a maneira como se atingiu aquele resultado.
  A partir desse ponto, o caminho para a abstração está aberto, pois ocorre de maneira consciente quando o pintor percebe que a sua linguagem pictórica independe do objeto retratado, estando mais voltada para as diversas formas de atingir o resultado desejado, seja pintando uma mulher ou uma composição de cores e formas sem referencial concreto.
  Ao pintar mulheres com flores ou plantas ou homens com galos, Aravena revela traços próximos ao expressionismo e uma capacidade significativa de desvendar almas. É o que ocorre em trabalhos como Advogado, no qual o comportamento profissional reservado parece vir à tona na imagem.
  Crianças, equilibristas  e figuras maternas convivem nessa busca constante por desvelar elementos reveladores do ser humano. O artista, portanto, não se preocupa em seguir referentes concretos. Seu desafio é transformar aquilo que carrega de experiência, emoção e talento em imagens que não deixem o público indiferente.
  Aravena tem como principal característica justamente a dos artistas que buscam em mesmos – e não nos outros – a essência de seu trabalho. Por isso, figuras de pessoas ou de animais têm o mesmo peso estético. Estão lá como seres prontos a serem dissecados pelos observadores.
  A tela abstrata, a imagem de um gato ou a de uma cena cotidiana têm o mesmo valor no sentido de que a sua proposta é a de interrogar o mundo, não a de oferecer respostas prontas. Estão ali para inquietar – e isso é feito com domínio técnico e o progressivo desenvolvimento de uma estética cada vez mais pessoal.
  Como bem alerta Proust, se é impossível o conhecimento direto de uma pessoa, o mesmo vale para a arte de qualidade. A pintura de Enrique Aravena não oferece um correspondente simplista ao real, mas, ao estabelecer diferenças entre o mundo tangível e o por ele representado, oferece a todos a possibilidade de revisitar os próprios valores.  

  Com traços firmes e inegável capacidade de ler almas, Aravena persiste a nos indagar o significado das pessoas, das coisas e da vida. Nesse exercício constante, só tem um compromisso: o de manter elevada a qualidade da sua arte, pois é dela que extrai a sua rica visão de mundo.

Oscar D´Ambrosio

  

 Minha intenção é promover a paz, entendida como a plena realização do ser humano. Essa paz, que eu inicialmente procurava em fatores externos, percebi que deve ser encontrada no conhecimento do nosso verdadeiro eu. Dessa forma, ela se manifestará exteriormente. É essa a essência das minhas obras: fazer um convite à introspecção, para que possamos instaurar a Paz de Deus nas consciências e no mundo ao nosso redor.

 

Enrique Aravena 

Revista Vitrine

 

O artista plástico Enrique Aravena, 1948 natural do Chile e morador em Ibiúna há mais de trinta anos, completou, depois de sete meses de trabalho, sua maior obra com 2,5 metros de altura x 6 de comprimento, pintura em acrílico sobre painéis de lona.

Trata-se uma belíssima composição de cores harmoniosas que reúne 125 personagens, a maioria crianças em estado de puro divertimento. Intitula-se Parque de Diversões, La Feria, em espanhol. Poderia ser chamado também de Alegria, pois é uma sensível evocação da criança que existe em todos nós.

O quadro permite muitas leituras em cada uma de suas múltiplas cenas fixadas na tela com espátulas e pincéis, elaboradas com paciente espírito de artesão. O cenário geral inspira sentimentos de paz, harmonia, serenidade e delicadeza.

Nós próximos dias de janeiro, Aravena enrolará, separadamente, cada um dos quatro painéis e os embalará cuidadosamente a fim de exportá-los para a Roth Bros Art Dealers, agência que comercializa obras de arte em Nova York, Miami e Cidade do México. O Circo, pintura de 1917, com 2,5 x 4,3 metros, também teve o mesmo destino.

 

RETRATO DO ARTISTA

Antes concluir o Parque de Diversões há poucos dias, em Ibiúna, Aravena seguiu uma longa trajetória de vida, desde que seu país passou por uma grave crise econômica nos anos 70 quando o imperativo foi o de sobreviver à situação.

Aravena tinha uma pequena agência de publicidade onde exercia a função de ilustrador, então com a idade de 24 anos. Nessa época, junto com um grupo de artesãos, seguiu para Arequipa, no Peru, onde participou de uma exposição. Alguns retornaram ao Chile, mas Aravena, vivendo como hippie e vendendo artesanatos, resolveu seguir adiante em busca de conhecimento. Depois de ficar no Peru, partiu para o Equador, Bolívia, Argentina e outros países da América do Sul. Em l976, chegou ao Brasil, tendo morado na cidade de São Paulo e depois Ibiúna.

Temuco, sua cidade natal, na região sul do Chile, que atrai turistas do mundo todo por ser uma região de lagos e vulcões e de paisagens de tirar o fôlego, ficou para trás. “Era uma região com muitos artistas, como a poeta e diplomata Gabriela Mistral, que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1945, e que foi professora de sua mãe.

BUSCA DA VERDADE

As viagens de Aravena pelos países da América do Sul tinham uma motivação profunda. Ele buscava conhecimento para descobrir a sua verdade interior. Aí percebeu que as pessoas precisam recuperar a inocência da infância por meio do autoconhecimento. Essa busca de alguma forma produziu frutos importantes, como a sua mais nova obra em que brincar faz parte essencial da vida, não importa a idade que se tenha.

Aqui em Ibiúna disse ter encontrado uma beleza natural e um povo acolhedores, assim como se encantou com as cores tropicais do Brasil. No Parque de Diversões, Aravena enfrentou o desafio das cores e da técnica. “Quando os sininhos” tocaram em sua mente, considerou a obra pronta, como uma doação para o mundo, assim como milhares de outras que já produziu, com espírito sereno, pacífico e amoroso.

Aravena encontrou na manifestação artística a sua autorrealização como ser humano que cultiva com humildade de consciente filho do Criador, que o inspira o tempo todo. “Minha vontade é a vontade de Deus”, disse à vitrine online, como um ser que encontrou o que estava buscando.

ENCONTRO COM O AMOR


Aravena talvez nem tenha imaginado que, ao abrir uma escola de arte na Granja Votorantim, para assegurar sobrevivência em Ibiúna, teria uma aluna que se encantaria por ele. Era Helenice Araújo dos Anjos, uma jovem que foi além da arte.

Ambos se casaram e vivem de modo tranquilo com os filhos, Artur e Rodrigo que estão naturalmente imersos num ambiente de cores, formas, gestos e palavras em que protagonizam um relacionamento tão harmonioso como a combinação de cores desenhadas por seu pai. 

Carlos Rossini é editor da revista vitrine